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[Notícias] Entrevista - Silvio de Abreu

'Perdemos o mais valioso: a emoção'

Silvio de Abreu alerta que produção impecável não sustenta o sucesso de um folhetim televisivo

Nesta entrevista, Silvio de Abreu relembra a aventura de Guerra dos Sexos, que gostaria de reescrever, fala sobre a perda da emoção das novelas, a diferença entre audiência e sucesso e critica o sistema de classificação etária da programação. 'Não sou contra os direitos de crianças e adolescentes, mas acho que está havendo um exagero. Já que a classificação é uma lei, e um país se faz de leis, ela deveria ser mais bem pensada, com critérios claros. É tudo muito subjetivo demais.'

Quando você fez Guerra dos Sexos, há 25 anos, o que se falava sobre o horário das 7? Ele já era tido como problemático?

Não era assim. Naquela época, Cassiano Gabus Mendes sempre fazia sucesso, como Anjo Mau. O problema de Guerra dos Sexos era que a emissora a via como um risco, porque ela quebrava o que até então tinha sido sucesso, a comédia romântica. Mas o público gostou. O que eu queria era que a história não importasse muito, e que as pessoas gostassem de assistir. É o que eu queria retomar agora: que as pessoas ficassem esperando as 7 horas para assistir àquela história, sabendo que vão se divertir. Guerra dos Sexos mostrou que novela não precisa ser dramática, pode ser comédia. Foi uma nova onda.

E ela é tida até hoje como moderna.

É, mas realmente é. Eu tenho muita vontade de refazer essa novela. Sei que é difícil você substituir Paulo Autran, Fernanda Montenegro, Tarcísio Meira e Glória Menezes. Mas acho que a gente teria hoje atores que poderiam fazer - não sei ainda quem. Tive essa idéia quando escrevi o roteiro do filme (que seria baseado na novela). Apresentei esse projeto para a Globo, mas não quiseram fazer, porque não querem mais remakes. Mas, enfim, eu gostaria de fazer.

O filme não vingou?

Foi uma questão de dinheiro. O orçamento é alto, muito mais caro do que as comédias que se fazem. Não fui atrás, mas é claro que se eu saísse tentando levantar o dinheiro, acabaria conseguindo. O que me cansa muito em voltar a fazer cinema é exatamente isso: ter de fazer essa captação de recursos. Estou fora desse mercado há muito tempo, meu último filme é de 1981 (Mulher Objeto). Até pensei outro dia 'será que eu sei dirigir?' Mas neste trabalho de supervisão de Beleza Pura, fui ao estúdio conversar com o Papinha (o diretor Rogério Gomes) e percebi que ainda sei raciocinar como diretor. Isso vem do fato de que quando escrevo, escrevo como diretor.

Dirige pelo texto?

Sim, sei exatamente onde quero que a câmera esteja quando escrevo o script. A TV ficou muito impessoal, porque a produção ficou muito seccionada. E a maquiagem, o figurino, o cenário, o HDTV, tudo ficou mais importante do que a interpretação. Por isso, acho que hoje em dia as novelas não apaixonam mais como antes. Perdemos o que tínhamos de mais valioso: a comunicação pela emoção.

É por isso que os mocinhos não dão mais certo, e os holofotes se voltam para os vilões, que são os sujeitos dos grandes acontecimentos?

É, porque fica na ação e não na emoção. A emoção que leva as histórias mais delicadas não sobrevive. O que sobra? A ação, que se sobrepõe à emoção. Daí, explodimos isso e aquilo. Mas quando você vê um diálogo sem profundidade, com um monte de palavras vazias, e ninguém se interessa, fica chato. Hoje em dia, as pessoas querem se divertir. E para se divertir, pode ser qualquer coisa. Mas existe uma diferença entre fazer sucesso e conseguir audiência. Existem novelas que conseguem muita audiência, mas não fazem sucesso. E outras que, embora façam uma audiência menor, fazem sucesso porque as pessoas assistem com emoção. O fato de você basear o gosto do espectador pela audiência é um erro.

A gente sempre ouve falar dos efeitos da audiência na condução das tramas. Que escondem a mocinha quando ela não agrada ou que alguma associação se sente ofendida pelos rumos de certo personagem. A TV está mais permeável a coisas desse tipo?

Toda reclamação vai ter alguma conseqüência. Se alguma associação não está gostando, a gente se explica de alguma maneira. Tive esse problema em Belíssima. A comunidade judaica reclamou que a mãe judia (Esther, interpretada por Ada Chaseliov) era muito má. E eu optei por fazer uma cena em que o filho dizia que todas as mães judias são maravilhosas, mas que justamente a dele teve de ser ruim. Acho que não custa nada fazer (uma concessão).

O autor Carlos Lombardi, em entrevista ao Estado, chamou a classificação etária da programação de 'neocensura'. Como você vê a questão?

Vejo como um entrave para o trabalho da gente. É muito difícil, porque não existem critérios claros, é tudo subjetivo. Quando você vê a tal cartilha, vê que, na verdade, não pode nada. Mas pode tudo, depende de como você faz. Então, você nunca sabe até onde pode ir. Quando começa a dar problema, não há o que fazer. Você vai lá para Brasília e eles falam 'não, isso não pode'. E ponto. E para você continuar no horário, tem de tirar o que dizem para tirar. Isso é censura, concordo com o Carlos Lombardi .

fonte: O Estado de SP